As mulheres na história do design de estamparia

Aula de tecelagem de Gunta Stölzl. | Fonte: elperiodico.com

Aula de tecelagem de Gunta Stölzl. | Fonte: elperiodico.com

Hoje é um dia muito especial, pois temos dois motivos para comemorar! O lançamento da nossa newsletter, que tratará curiosidades, oportunidades, tendências e novidades fresquinhas do universo do design de estamparia, da arte e da moda, e o Dia Internacional das Mulheres, que celebra a luta das mulheres por melhores condições de trabalho, por igualdade salarial, por liberdade. Juntando as duas coisas, começamos com o plano ousado de fazer o link entre essa luta feminina e a história da estamparia.

Para isso, conversamos com uma figura interessantíssima: Bruna Bonifácio, que é pesquisadora e mestre em design pela Universidade Federal do Paraná e nos conta um pouco sobre a importância e a influência da presença feminina na história do design de superfície.

Bruna começou a se interessar pela presença da mulher no design de superfície e estamparia em 2016. "A grande maioria de profissionais da área é de mulheres. Os poucos nomes masculinos são de arquitetos que fizeram algum projeto para superfície de estamparia ou são designers homens cuja forma de ser têm traços de feminilidade”, afirma Bruna.

A pesquisadora, que também ministra um curso sobre a história das mulheres na arte e no design, conta que o design de superfície só foi reconhecido como uma área do design há cerca de 15 anos. É uma área interdisciplinar que tem total relação com o design - gráfico, de moda, de produto, de interiores - e com a arte e o artesanato. Por isso, quando falamos de história do design de superfície, estamos falando também da história de diversas áreas do design e da arte.

Jacquard Wall Hanging – “5 Chöre” (1928) | Fonte: Monster-patterns.com

Jacquard Wall Hanging – “5 Chöre” (1928) | Fonte: Monster-patterns.com

As mulheres sempre estiveram presentes e participaram do desenvolvimento de trabalhos relacionados à arte e ao design. Porém, a presença feminina na história do design de superfície, assim como na história como um todo, é apagada. Uma das formas da sociedade desvalorizar o papel feminino é naturalizando comportamentos e profissões que são adequadas a mulheres e adequadas a homens. Criando uma dicotomia entre o que é pra homem e o que é pra mulher. O que é considerado com maior valor, maior poder, maior status e maior remuneração, geralmente é criado por homens, e o que é menos valorizado, fica para as mulheres.

Por exemplo, as áreas do design que tem uma relação mais próxima com as artes decorativas e habilidades manuais mais delicadas, como joias, bordados, tecelagens, tricot, costura e cerâmica, áreas menos valorizadas, foram consideradas práticas adequadas a mulheres. Enquanto os homens que atuavam no mercado da moda tinham o status de profissionais especializados.

Além das padronizações típicas do sistema patriarcal, havia grandes impedimentos ao trabalho das mulheres. Durante séculos, as mulheres não tinham acesso permitido às academias de arte, especialmente às aulas com modelo vivo, porque se considerava imoral que elas vissem corpos nus. Assim, lhes restava criar retratos, pinturas em porcelana, naturezas mortas, tapeçarias, bordados, estamparias, obras que eram consideradas inferiores. Em Paris, só a partir de 1900 o acesso à Escola de Belas Artes foi concedido às mulheres, que foram recebidas com vaias pelos estudantes homens.

Outra limitação da época, é que a sociedade não aceitava e tratava de forma hostil uma mulher que decidisse pintar com seu cavalete em espaço público, observando uma paisagem e vestindo calças compridas, como os homens. Situação que motivou um movimento de união entre mulheres, que passaram a se articular em duplas ou grupos para subverter essa dinâmica.

A história das mulheres, no entanto, está sendo revisada. Na icônica escola alemã de Bauhaus, que revolucionou o design no início do século XX, a presença feminina vem sendo gradualmente reconhecida. Tecelãs, designers industriais, fotógrafas e arquitetas como Anni Albers, Marianne Brandt e Gertrud Arndt não apenas avançaram o histórico casamento entre arte e função da escola; elas também eram essenciais para lançar a base para séculos de inovação de arte e design para aquelas que as sucedem. Vamos conhecer melhor algumas delas!

 

Anni Albers (1899-1994)

Albers chegou a Bauhaus em 1922, com esperança de continuar os estudos de pintura que começou na Escola de Artes e Ofícios em Hamburgo, na Alemanha. Em 1923, entretanto, passava a maior parte de seu tempo na oficina de tecelagem, onde rapidamente tornou-se mestre na atividade. Influenciada por Paul Klee e "o que ele fazia com uma linha, um ponto ou uma pincelada", Albers usou a tecelagem para desenvolver um vocabulário visual de afiados padrões. Ela foi a primeira artista têxtil a ter uma exposição própria no Museu de Arte Moderna em Nova Iorque, em 1949.

 

Marianne Brandt (1893-1983)

O primeiro trabalho de Brandt impressionou tanto László Moholy-Nagy, designer, pintor e professor da escola, que, em 1924, ele abriu um espaço para ela na oficina de metais, uma disciplina que as mulheres eram até então barradas de cursar. Ela criou alguns dos trabalhos mais icônicos associados a Bauhaus.

Durante seus anos na Bauhaus, Brandt tornou-se uma das designers industriais mais celebradas da Alemanha. Em 1928, ela desenvolveu um dos objetos oriundos da escola mais bem sucedidos comercialmente: o abajur Kandem.

 

Gertrud Arndt (1903-2000)

A ambição de Arndt era tornar-se arquiteta, mas somente depois de sua chegada à Bauhaus em 1923 é que ela soube que aulas de arquitetura ainda não estavam disponíveis na escola. Ela acabou confeccionando tapetes de padrões geométricos na oficina de tecelagem. Apesar do sucesso de Arndt na tecelagem, seu trabalho com fotografia, desenvolvido fora das oficinas da Bauhaus, acabou se sobrepondo. Tornou-se o mais influente para artistas modernos e contemporâneos. Como fotógrafa autodidata, foi a série de autorretratos imaginativos de Arndt, intitulados "Retratos Mascarados", que compôs seu legado. As fotografias – que mostram Arndt performando uma variedade de padrões de feminilidade, e vestindo uma profusão de véus, rendas e chapéus – são hoje vistas como importantes precursoras para artistas feministas.

Gunta Stölzl (1897-1983)

Stölzl foi uma das primeiras integrantes da Bauhaus, onde entrou em 1919 aos 22 anos. No mesmo ano, escreveu confiantes palavras no seu diário que prenunciavam seu sucesso como designer líder da época. "Nada me atrapalha na minha vida exterior, eu posso moldá-la como quiser", diz uma das leituras. Enquanto experimentava uma diversa variedade de disciplinas na Bauhaus, Stölzl focou na tecelagem, o departamento no qual lecionou de 1926 a 1931. Lá era conhecida por seus padrões complexos de patchwork, compostos por linhas onduladas que se fundem em mosaicos caleidoscópicos de quadrados coloridos. Trabalhos que deram origem a tapetes, tapeçarias de parede e revestimentos para as cadeiras de Marcel Breuer.

Após ser deportada da Alemanha pelo regime nazista por casar-se com um homem judeu, Stölzl estabeleceu a empresa de tecelagem manual S-P-H-Stoffe em Zurique. Ela comandou a empresa até 1967 e desenvolveu inúmeros carpetes e tecidos têxteis famosos.

 

Benita Koch-Otte (1892-1976)

Koch-Otte já havia ensinado desenho e artesanato em uma escola de ensino médio para meninas por cinco anos antes de juntar-se a Bauhaus, mudando o foco para seus próprios estudos. Lá, com a colega tecelã e pintora Stölzl, Koch-Otte usou têxteis para explorar novas abordagens para o abstrato. Mais tarde, tornou-se diretora de um moinho têxtil na Alemanha e continuou a lecionar até o fim de sua vida - seus tecidos permanecem em produção até hoje.

 

Georgia Hauner (1931)

Avançando um pouco na história e abordando o cenário nacional, podemos citar Georgia Hauner (1931) como outro exemplo feminino marcante na história do design de superfície. Na década de 50, Georgia e o marido Ernesto Hauner tinham uma empresa de móveis chamada Mobilinea. Para o show room da loja, Georgia criava almofadas, lençóis, luminárias e cuidava das fotografias - tudo para valorizar os móveis produzidos pelo marido. Mas os objetos criados para decoração deixavam o show room tão mais interessante que a empresa começou a receber demandas de clientes querendo comprar esses produtos. O sucesso foi tão grande que Georgia criou uma empresa, formada por mulheres, especificamente para a produção das suas criações.

 

Histórias como essas nos mostram que, apesar das dificuldades, as mulheres se articularam, batalharam e desempenharam papéis importantes. E, se no passado a atuação feminina foi minimizada no mundo da arte e do design, hoje em dia a situação está muito diferente. O mercado de estamparia está a todo vapor e quem comanda esta locomotiva são as mulheres. “Se considerarmos o mercado brasileiro de criação de estampas para tecido, noventa por cento dos nomes são mulheres. Elas são referência, ditam tendências e estéticas, falam sobre o assunto, dão aulas, são convidadas a participar de eventos, palestras, recebem prêmios. É fato, foi dada uma grande virada”, conta Bruna.

A posição de destaque que as mulheres ocupam hoje no mundo das artes e do design é uma conquista da união, da criatividade e do esforço – o que nos remete novamente ao Dia Internacional da Mulher. Cada dia mais nos qualificamos, criamos e tornamos o nosso trabalho reconhecido e valorizado. Ainda há muito o que conquistar, mas há também a beleza de acreditar na força de união e a certeza de que essa luta vale a pena! Parabéns a todas as mulheres!


Quer saber mais sobre a história das mulheres na arte e no design?
Conheça o trabalho da Bruna Bonifácio.

Curso As Mulheres na Arte e no Design
Tese de mestrado Experiências de mulheres no design de superfície: narrativas sobre trabalho e trajetórias de Goya Lopes e Renata Rubim
Instagram: @brunacbonifacio